DESEMBARQUE. A Ikea se associou à Falabella para abrir uma dúzia de lojas na região, a primeira das quais foi criada em Santiago do Chile.

Chegada da rede sueca Ikea à América do Sul aumenta demanda por madeira do Brasil

Chegada da rede sueca Ikea à América do Sul aumenta demanda por madeira do Brasil

DESEMBARQUE. A Ikea se associou à Falabella para abrir uma dúzia de lojas na região, a primeira das quais foi criada em Santiago do Chile.

Foto: OjoPúblico / Matías Jara

Expansão da Ikea na região gera incertezas sobre origem da madeira que será utilizada pela rede de móveis e decoração; Grupo chileno Falabella, responsável pelas lojas da gigante sueca na América do Sul, aumenta importação de madeira do Brasil enquanto prepara a abertura de novas unidades no Chile, Colômbia e Peru.

21 Octubre, 2022

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*Com a colaboração de Matías Jara

 

A expansão da gigante sueca Ikea, que surgiu no mercado europeu há décadas e fez disparar a demanda e o consumo de madeira, dá seus primeiros passos na América Latina. A maior rede de móveis e decoração do mundo fechou um acordo com o grupo chileno Falabella para desembarcar em uma série de endereços na região. A primeira loja a abrir as portas foi em Santiago, no Chile. Também está prevista a inauguração de unidades na Colômbia e no Peru no próximo ano.

A chegada da maior consumidora mundial de madeira levanta uma questão sobre possíveis consequências para a matéria-prima na região. Como a expansão da Ikea pode impactar a Floresta Amazônica? Dados de comércio global analisados pelo OjoPúblico revelam um aumento nos últimos dois anos das importações de madeira do Brasil por parte do grupo Falabella no Chile e no Peru.

Desde 2018, o Brasil é o maior fornecedor de madeira para essa rede varejista chilena responsável pela gestão das lojas da Ikea na América Latina. A tendência crescente de importação dessa matéria-prima brasileira e a recusa da Ikea em revelar a origem do insumo que utilizará em suas unidades na região despertam preocupação entre especialistas no comércio de madeira.

“Com um histórico de escândalos abertos na Europa, a entrada da Ikea em grandes e novos mercados na América Latina é preocupante. O continente abriga um dos biomas mais importantes que restam para o clima. Como maior consumidora de madeira do planeta, a recusa da empresa em responder sobre a procedência da madeira que será utilizada nas novas unidades acende um alerta”, diz ao OjoPúblico Tara Ganesh, pesquisadora da ONG britânica Earthsight.

A organização ambientalista revelou no ano passado que a Ikea abastecia o mercado europeu com móveis confeccionados com madeira derivada de desmatamento ilegal na Rússia.

OjoPúblico questionou a rede sueca e o grupo chileno Falabella sobre a origem da madeira que será empregada nas lojas na América Latina. Ambas, porém, se recusaram a dar detalhes sobre o tema. Ao mesmo tempo, não negaram que os fornecedores que abastecerão as lojas Ikea na região sejam brasileiros.  

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“Os fornecedores da Ikea utilizam matérias-primas e fabricam produtos em muitos países e regiões do mundo. Não especificamos a origem do material de produtos determinados, uma vez que ela pode variar de acordo com o tempo e a disponibilidade. No entanto, exigimos de todos os fornecedores que a madeira oferecida cumpra os requisitos de sustentabilidade: madeira certificada pelo Forest Stewardship Council (FSC) ou reciclada”, respondeu a marca ao OjoPúblico, de seu escritório central em Londres.

Diante da falta de informação oficial, especialistas como Tara Ganesh alertam: “Investigações recentes demonstraram que a Ikea utilizou couro e madeira de fontes suspeitas nos últimos anos. Além dos problemas por trás dos escândalos não resolvidos, a entrada da Ikea em novos mercados que abrigam alguns dos recursos florestais mais importantes para o clima da Terra deveria saltar aos olhos dos consumidores dessa região”.

 

Demanda por madeira aumenta

 

As importações de madeira do grupo Falabella aumentaram no Chile e no Peru nos anos seguintes à assinatura do acordo com a Ikea. Tanto a demanda por madeira não processada quanto pela processada, ambas utilizadas para a confecção de móveis, cresceram entre 2018 e 2021, de acordo com dados de exportações e importações obtidos pelo OjoPúblico.

Em 2021, um ano antes da inauguração da primeira loja da Ikea na região, o grupo Falabella importou madeira não processada como nunca nos últimos anos no Chile. Foram quase 80 mil toneladas, mais que o dobro das entradas em 2020, quando as importações não chegaram nem às 40 mil toneladas. Elas também superaram com folga as demandas anteriores à pandemia.

 

 

As importações de madeira processada pelo grupo Falabella no Chile também dobraram em 2021 e ultrapassaram as 25 mil toneladas. A tendência foi repetida pelo grupo no Peru, onde está prevista a abertura de uma nova loja da Ikea nos próximos meses. A demanda por madeira processada aumentou 50% no ano passado.

As 32 mil toneladas importadas pelo grupo varejista representam mais da metade de toda a madeira processada que chega pelos portos peruanos.

 

 

Qual é a origem da madeira importada pelo grupo Falabella? O Brasil é um dos principais fornecedores. As exportações do país para o Chile e o Peru tiveram um aumento significativo no ano passado, de acordo com dados oficiais obtidos pelo OjoPúblico. A demanda da sede chilena da holding pela madeira brasileira não processada saltou de 2 mil toneladas para 15 mil toneladas.

Grande parte da madeira não processada importada do Brasil é de painéis como o Oriented Strand Board, um composto de longas tiras de madeira – 32% das importações são dessas placas formadas por fibras de madeira prensadas, geralmente pinus, orientadas em sentidos pré-determinados e utilizadas na construção de móveis ou para decoração, devido ao padrão diferenciado do desenho.  

 

 

Pinus e eucalipto são as madeiras mais usadas pela Ikea para seus móveis. As plantações ficam na região Nordeste do Brasil e no estado do Mato Grosso do Sul, segundo especialistas.

“É muito difícil garantir que a madeira brasileira utilizada para a construção de móveis seja legal, porque o sistema existente é falho. Já identificamos dezenas de maneiras de driblá-lo. Praticamente não existe controle das autoridades. E 85% dos projetos que auditamos tinham indícios de fraudes”, contou ao OjoPúblico Romulo Batista, porta-voz de Amazônia do Greenpeace Brasil.

Segundo Batista, o próprio sistema brasileiro permite “maquiar” a madeira extraída ilegalmente para importá-la legalmente a outros países.

O Brasil é o maior fornecedor da madeira processada utilizada pelo grupo Falabella no Peru. A holding aumentou as importações dessa matéria-prima para o Peru em 50%, chegando a 28 mil toneladas. Qual madeira processada, especificamente? O controle alfandegário não determina o tipo, apenas que são móveis ou partes de móveis.

 

 

No Chile, o volume de importações de madeira processada é menor, mas ainda assim seu  crescimento foi multiplicado por dez justamente no ano anterior à inauguração da primeira loja da Ikea na região – chegou a 3.100 toneladas. O controle alfandegário indica que a maioria desses carregamentos também trazia “móveis de madeira”. Além de pinus e eucalipto, a rede sueca mencionou que costuma utilizar bétula, faia, carvalho, acácia e álamo.

Miguel Ángel Soto, especialista em madeira do Greenpeace Espanha, estudou a composição dos móveis da Ikea. “A empresa costuma usar madeiras rígidas, de regiões temperadas. Nunca vi que utilizassem madeiras tropicais. A madeira vendida nas lojas da Europa vem de florestas boreais do norte do continente”, explicou ao OjoPúblico.

“A Ikea começou a usar madeira de eucalipto, cujas plantações ficam no Brasil. No Sul do Chile e na Argentina também há muitas plantações de madeiras coníferas como as que costumam ser utilizadas nos móveis da rede. De todo modo, não imagino a Ikea se metendo na Amazônia, na floresta da madeira tropical, porque isso poderia criar um problema grave de reputação”, acrescentou Soto.

 

O acordo com o grupo Falabella

 

Líder mundial na venda de móveis, a Ikea assinou em 2018 um acordo com o grupo Falabella – uma das empresas varejistas mais importantes da América Latina – para desembarcar em uma das poucas regiões em que até então não atuava comercialmente.

O anúncio oficial diz que o grupo desembolsará mais de US$ 600 milhões para inaugurar uma dezena de unidades da Ikea nos próximos anos, que serão operadas pela holding chilena em Santiago, Lima e Bogotá. Elas se somarão a outras lojas da Ikea já abertas no México e na República Dominicana, e que são administradas pela gigante sueca à parte do acordo com o grupo chileno.

A família Solari, uma das mais ricas do Chile e acionista majoritária do grupo Falabella, aposta na fórmula de sucesso da Ikea: móveis baratos e bonitos, os mesmos que decoram as casas da classe média da Europa, e que agora querem conquistar também o mercado sul-americano.

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OBJETIVO CHILE. A primeira loja deste acordo comercial foi inaugurada no shopping Open Kennedy na capital.
Imagem: OjoPúblico / Matías Jara

A expectativa é tão alta que até Mario Marcel, ministro da Fazenda do governo de Gabriel Boric, participou da inauguração da primeira unidade da rede, em agosto. A revolução Ikea continuou semanas depois, inclusive, com filas de espera que chegavam a 40 minutos na porta da loja. Uma segunda filial deve ser aberta ainda este ano no Mallplaza Oeste, na capital chilena.

Como funciona o sistema de franquias da gigante sueca?

“Uma empresa paga à outra uma taxa de franquia pelo direito de propriedade intelectual. A oferta engloba a utilização das marcas e conceitos Ikea. E os franqueados pagam ao Grupo Inter Ikea uma taxa anual de 3% sobre a receita líquida de vendas. Em troca, podem comercializar e vender nossos produtos, gerir as lojas Ikea e outros canais de venda”, explica a rede sueca por meio de sua assessoria de imprensa.

A Ikea obteve quase US$ 1,5 bilhão de lucro líquido em 2021, de acordo com o balanço financeiro da empresa. A receita com as taxas cobradas aos franqueados cresceu em comparação com o ano anterior, mas ainda assim ela representam apenas 5% do total de entradas no caixa da companhia.

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QUEUEIZAS LONGAS. Mesmo semanas após sua abertura, pode levar até 40 minutos para uma pessoa entrar na loja Ikea no Chile.
Imagem: OjoPúblico / Matías Jara

O pagamento de impostos é outro ponto que manteve a Ikea em foco depois que os escândalos do “Luxemburgo Leaks” e “Panamá Papers” vieram à tona. As informações levantadas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ)  revelaram que a empresa, que se transformou em um emblema da Suécia, tinha montado uma rede complexa em jurisdições europeias de baixa tributação, como Luxemburgo, Liechtenstein e Holanda, entre outros, para pagar a menor quantidade possível de impostos.

A Ikea faturou quase US$ 25 bilhões no ano passado, mas sua contribuição fiscal foi de apenas US$ 2 bilhões, segundo o balanço do grupo. A taxa de franquia de 3% vinda das lojas na América Latina serão somadas a esses fundos milionários canalizados por meio de estruturas jurídicas complexas e frequentemente usadas para evasão fiscal, uma prática legal, mas questionada.

“Pagamos impostos nos países em que operamos em função da receita gerada ali e da realidade econômica do negócio. E esperamos o mesmo de nossos franqueados. A renda advinda da taxa anual de franquia é tributada na Holanda, por meio da organização jurídica Inter IKEA Systems BV, enquanto as entradas da Ikea Chile são tributadas no Chile, através do grupo Falabella”, explicou a empresa.

O grupo Falabella, por sua vez, já tem um histórico de atuação em paraísos fiscais. Acionista majoritária da holding, a família Solari administra seus negócios e fortuna particulares através de uma rede de empresas offshore no Panamá e nas Ilhas Virgens Britânicas, como revelou mais uma investigação do ICIJ, conhecida como “Pandora Papers”.

 

Desembarque na América Latina

 

A América Latina era uma das poucas regiões do planeta onde a Ikea ainda não tinha conseguido entrar. A combinação entre o baixo PIB local e o alto volume de vendas necessário para a operação da gigante dos móveis adiou por anos os planos de desembarque no continente.

Uma espécie de ensaio foi feita com apenas uma loja da rede, inaugurada em 2010 em Santo Domingo, capital da República Dominicana. Foi a única unidade da franquia por dez anos na região.

A Ikea abriu sua segunda loja latino-americana na Cidade do México em 2020, em plena pandemia, e outra em San Juan, capital de Porto Rico, em 2021. Essas três lojas são administradas diretamente pela holding sueca. Mas, dois anos antes, a empresa já tinha fechado um acordo para expandir a marca na América do Sul através de uma franquia com o grupo Falabella que previa a abertura de nove lojas em uma década, incluindo as unidades do Chile, Colômbia e Peru.

O gerente-geral do grupo chileno, Gastón Bottazzini, contou em entrevista à imprensa que a próxima loja a abrir as portas será em Bogotá, durante o primeiro semestre de 2023. À parte do acordo de franquia, a Ikea também planeja para o ano que vem a inauguração de uma unidade em Puebla, no México, onde já funciona seu canal de vendas online.

 

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